Dois
homens batem à porta. «Bom dia, minha senhora, viemos para instalar o medo. E,
vai ver, é uma categoria».
“A
história começa com a chegada de um par de técnicos que batem à porta de uma
mulher anunciando que vêm instalar o medo na sua casa. Ao longo da instalação,
vamos percorrendo o catálogo dos medos humanos, que não é pequeno. O capítulo
em que se procede à demonstração do medo tem como epígrafe a imorredoira frase
do sábio António Borges, e cito: «Diminuir salários não é uma política, é uma
urgência».
O
medo foi, desde sempre, o assessor principal da Política. Mas agora que o tempo
não está para luxos, fez um golpe de Estado e tomou-lhe o lugar.
É
muito mais fácil governar países através do medo do que através da negociação
política – e a Europa começa agora a entender o encanto e as potencialidades
deste método que tanto sucesso económico garantiu à China.
O
medo torna as pessoas muito mais produtivas do que a pura ambição. Por isso, os
neo-liberais entraram em metamorfose acelerada para se tornarem mais dirigistas
do que o camarada Hu Jintao, e arranjaram na troika um comité central
pós-moderno, que, como os comités centrais dos tempos soviéticos, significa
emprego e segurança para o resto da vida, quer o povo coma raspas ou brioches.
O
velho sonho de construir um mundo melhor para todos foi substituído pelo ainda
mais velho discurso da pobreza honrada.
O
problema é que é complicado ouvir serenamente um gestor multimilionário pregar
a necessidade da pobreza alheia – e a antiga classe média que luta agora pela
pura sobrevivência, revolta-se.
Os
jovens turcos da Coisa Financeira ( que se tornou a única Coisa) não contavam
com a revolta: os países magníficos como a China ou a União Soviética nunca
tiveram classe média; os que nunca tiveram nada convencem-se calmamente a ter
pouco e calar.
«O
medo, pouco a pouco, torna-se virtualmente a única realidade», escreve Zink, na
sua ficção mais verdadeira do que o pão de cada dia.
O
medo varre todas as espécies de amor e garante a subsistência de uma única
lealdade: a devida ao chefe. O estreitamento da oportunidade de ter um chefe,
um trabalho – qualquer que seja – e um salário, exponencia o grau da
subserviência.
Sempre
que abre uma vaga, as pessoas esgadanham-se para a conseguir, utilizando todos
os métodos de pressão e influência. É esta a paisagem.
O
medo devora sentimentos, dignidade, consciência – tudo o que representa a
diferença e a excelência da humanidade.
Os
instaladores do medo pasmam de o ver tão eficaz. Também eles têm medo: medo que
a estratégia do medo tome um dia conta dele, e se vejam no lugar dos pobres que
hoje cozem no forno do barro do terror de amanhã.
Amanhã,
não se esqueçam, estaremos todos mortos. A espécie humana é a única que o sabe
– mas até a ideia da morte o medo parece ter comido. “ por Inês Pedrosa
«Recorrendo
a frases curtas, à meta-linguagem […] e despido da ironia que o acompanha quase
sempre, o escritor constrói uma narrativa que é uma forte crítica ao modelo
civilizacional assente nos mercados. Os mercados são aqui o papão que tudo
comanda e assusta […] Seco, cru, o livro arrisca na fórmula e é eficaz no
efeito. No mesmo fôlego da escrita, o leitor entra na espiral construída por Rui
Zink, sente o incómodo, sente-se vítima.» por Isabel Lucas, Público
Ao
longo da história são conhecidos os vários momentos em que oriundas, ora de
Inglaterra, ora da Alemanha, fomos invadidos por más notícias. Mas que me
lembre nunca tivemos dessas más invasões em simultâneo.
(…). Tive, ao ler A Instalação do Medo, a
mesma emoção feita de espanto causada pela leitura de O Processo, de
Kafka. (…) Mais do que este medo que se anuncia porta a porta e se instala, de
modo viral, incontornável, a descrição de situações com que deparamos dia a dia
em destaque na net, nos jornais, na rua, -por todo o lado: a da indiferença
perante o outro, despido da sua humanidade, como os judeus o foram outrora, de
modo sistemático como nunca se vira até ao tremendo momento da “solução final.
(…)
Este medo descrito, de diversas maneiras, é próximo
parente dessa ideia de alguma solução final, agora modernizada e mais adequada
ao que se julga ser de imediato mais útil: empobrecer, em vez de matar logo.
Pois a promoção da pobreza, física, mental, moral – matará tanto ou mais do que
as câmaras que consumiram os corpos mas acabaram por elevar as almas: hoje a
consciência do Holocausto é mais viva e o apelo a que nunca mais se repita fala
alto.
O medo fala baixinho, por isso se tornou em arma
melhor escolhida, mais fácil de espalhar e mais actuante: medo e silêncio
coabitam nas almas enfraquecidas (…) Nesta obra, Rui Zink deixa um grande
fresco da nossa sociedade portuguesa e não só, pelo nosso exemplo passa a nova
realidade que no mundo se enfrenta: e escusado será dizer, é uma realidade que
ele, pela ironia crua nos convoca a combater”.