"Anzóis, pontas
de metal, ossos, conchas, pesos de redes de pesca, utensílios feitos
de basalto, carvões e fragmentos de peças de cerâmica, foram
descobertos nas primeiras sondagens arqueológicas autorizadas pelo
Governo Regional dos Açores (Direcção Regional da Cultura) às
misteriosas estruturas piramidais da Ilha do Pico.
As pirâmides
estão quase todas concentradas numa área de 6 km2 no concelho da
Madalena, junto à costa oeste da ilha dominada pela montanha mais
alta de Portugal (2351 metros) e a divulgação pública das
descobertas é feita hoje às 21h00 numa conferência na Câmara da
Madalena.
As sondagens
foram feitas por Nuno Ribeiro e Anabela Joaquinito, que estão
entusiasmados com os depósitos de artefactos antigos que
encontraram, e que tudo indica serem muito anteriores à data da
descoberta dos Açores pelos portugueses (1427).
Mas os dois
arqueólogos da Associação Portuguesa de Investigação
Arqueológica (APIA), que estão a ser apoiados pela Câmara
Municipal da Madalena, têm um vasto trabalho de prospecção pela
frente: há dezenas de pirâmides no local, que chegam a atingir 13
metros de altura, o equivalente a um prédio de habitação de quatro
andares. Mas para já estudaram 140, algumas destruídas ou
parcialmente derrubadas por sismos ou pela acção humana.
A tradição
baseada na memória popular e os poucos estudos etnográficos
existentes indicam que "estas estruturas, conhecidas por
maroiços, datam dos séculos XVII a XIX, justificando-se a sua
construção pela necessidade da limpeza dos solos para a
agricultura", explica Nuno Ribeiro. De facto, a palavra maroiço
significa monte de pedras associado à limpeza de terrenos agrícolas.
Estruturas
semelhantes no Mediterrâneo
Mas esta
explicação não convence o presidente da APIA, porque "existem
várias edificações com mais de dez metros de altura, seguindo a
mesma orientação geográfica". E porque no território
português "não encontramos esta opção arquitectónica em
mais nenhum local". Em contrapartida, "há paralelos
arquitectónicos com regiões do Mediterrâneo - na ilha da Sicília
junto ao Monte Etna, por exemplo".
Anabela
Joaquinito conta que quando foram mostradas à população da
Madalena fotos das construções da Sicília, "disseram que eram
iguais aos maroiços". A arqueóloga que estudou a indústria
lítica (tecnologia de trabalho da pedra) e é directora do
Departamento de Pré-história da APIA, sublinha que há outros
indícios arquitectónicos da origem pré-portuguesa das pirâmides
do Pico, como "a existência de degraus e a decoração com
pináculos no topo". No topo de uma das construções estudadas
foi também encontrado um piso circular que parece ser a base de uma
habitação.
Uma das
estruturas é um complexo arquitectónico que inclui edifícios
piramidais organizados de forma a criar uma grande praça. "Esta
organização do espaço não pode ser explicada apenas através da
limpeza dos terrenos, pois terá envolvido um grande planeamento e um
trabalho colectivo que demorou alguns anos a construir, seguindo
sempre o mesmo projecto arquitectónico", argumenta Nuno
Ribeiro.
"Mais
espantoso é o facto de estas estruturas obedecerem às mesmas
orientações das outras pirâmides, com aparentes motivações
astronómicas e sugerindo rituais funerários", acrescenta o
arqueólogo.
"Sinto-me
no México"
"Sinto-me
no México", garantiu Romeo Hristov, arqueólogo da Universidade
do Texas em Austin (EUA), quando visitou os maroiços do Pico em
Abril passado. Hristov pertence à corrente académica que defende a
existência de contactos regulares entre as antigas civilizações do
Mediterrâneo e da América.
"As
estruturas do Pico são muito perfeitas, implicam uma enorme
quantidade de trabalho que não se justifica apenas pelas
necessidades da actividade agrícola", considera o arqueólogo.
Por outro lado, "há uma orientação astronómica rigorosa,
rampas de acesso e escadas associadas ao conceito de estrutura
sagrada".
E no complexo
"que liga vários edifícios piramidais encontram-se elementos
comuns a pirâmides em todo o mundo, como uma praça ampla para
cerimónias". Mas uma conclusão definitiva sobre a origem das
estruturas "vai depender das escavações arqueológicas, que
são fundamentais".
E também "das
datações dos materiais encontrados que forem feitas em
laboratório", esclarece Anabela Joaquinito. A arqueóloga
explica ainda que algumas destas pirâmides têm câmaras no seu
interior e uma delas foi objecto de sondagens arqueológicas. "A
câmara é pequena e o corredor de acesso demasiado estreito e longo,
não seria prática para quaisquer usos agrícolas".
Regularidade
na orientação das pirâmides
"O que
mais me impressionou foi a regularidade da orientação das pirâmides
do Pico, embora acredite que nem todas foram construídas na mesma
época. Esta regularidade é evidente no mapa com a sua localização
feito pela Câmara da Madalena", afirma por sua vez Fernando
Pimenta.
O director do
Departamento de Arqueoastronomia da APIA usou ferramentas de
informação geográfica nesta primeira investigação e concluiu que
a maioria das pirâmides está orientada no sentido sudeste/noroeste.
Sudeste é a
direcção do vulcão da ilha do Pico e noroeste corresponde ao ocaso
do sol no solstício de verão, que acontece sobre a ilha do Faial,
muito próxima do Pico. Quanto às restantes pirâmides, têm uma
orientação perpendicular às primeiras.
Fernando
Pimenta admite que "parece ser intencional - e não apenas uma
coincidência - a orientação geográfica das construções e a
escolha do local para a sua implantação".
Uma
concentração tão grande de pirâmides num intervalo tão pequeno
de azimutes (o azimute é a medida regular do horizonte contada a
partir do norte geográfico) e com esta regularidade, significa que
há intencionalidade, "mas claro que esta conclusão não é tão
definitiva, do ponto de vista estatístico, como seria se as
estruturas estivessem espalhadas por toda a ilha e não apenas
concentradas numa pequena área do concelho da Madalena".
O
arqueoastrónomo adianta também que as regras de orientação
"parecem obedecer a princípios que incorporavam algum ritual
relacionado com o solstício de verão".
"Defesa
da verdade histórica"
Entretanto, o
presidente da Câmara da Madalena salienta que "o envolvimento
do município neste processo é norteado pelo forte empenho na defesa
da verdade histórica e na necessidade de conhecer e preservar as
raízes do nosso povo", o que "é do interesse de todas as
instituições, sejam elas científicas, políticas ou outras,
incluindo o Governo Regional dos Açores".
Mas a prova
definitiva da origem pré-portuguesa das pirâmides "terá de
ser obtida através de uma datação clara e inequívoca dos
materiais encontrados", insiste José António Soares,
reconhecendo que a comprovação de todos estes achados permitirá
novas oportunidades de desenvolvimento turístico.
"Não
queremos apagar a história açoriana mas sim acrescentar algo à
história já conhecida e, se possível, enriquecê-la com os novos
dados disponíveis", acrescenta o autarca."