Num artigo intitulado "Querem-nos meter medo", o cineasta Michael Moore (foto) conta como centenas de milhares de pessoas entupiram os telefones e o correio eletrónico dos congressistas dos EUA, contra a lei proposta pelo governo Bush para salvar os bancos da crise. E aponta como Wall Street e o seu braço midiático (as redes de TV e outros meios) seguem com a estratégia de atemorizar a população omitindo, entre outras coisas, que a proposta apresentada ao Congresso não trazia qualquer esperança para os pobres mortais ameaçados de perder suas casas hipotecadas..
Quem acompanha a cobertura da crise nos Estados Unidos feita pela imprensa brasileira pode ser levado a acreditar que a política está "atrapalhando" a procura de uma solução para o problema. Essa afirmação vem sendo feita todos os dias por vários jornalistas e colunistas econômicos em todo país, supostamente especializados no assunto. A aprovação da proposta de ajuda aos bancos falidos é apontada como uma condição necessária para evitar o caos. Há vários silêncios nesta cobertura, aqui e também nos EUA.
Querem-nos meter medo
Todos diziam que a lei seria aprovada. Os especialistas do universo já estavam fazendo reservas para celebrar nos melhores restaurantes de Manhattan. Os compradores particulares em Dallas e Atlanta foram despachados para fazer as primeiras compras de Natal. Os homens loucos de Chicago e Miami já estavam abrindo as garrafas e brindando entre eles muito antes do café da manhã.
Mas o que não sabiam era que centenas de milhares de americanos tinham acordado pela manhã e decidido que era tempo de se revoltarem. Milhares de chamadas telefónicas e e-mails bombardearam o Congresso como nunca até então tinha acontecido.
A Corporação do Crime do Século foi detida por 228 votos contra 205. Foi um acontecimento raro e histórico. Ninguém se conseguia lembrar de um momento onde uma lei apoiada pelo presidente e pelas lideranças de ambos os partidos fosse derrotada. Isso nunca acontece. Muita gente está se perguntando porque é que a ala direita do Partido Republicano se uniu à ala esquerda do Partido Democrata para votar contra o roubo. Quarenta por cento dos democratas e dois terços dos republicanos votaram contra a lei.
Eis o que aconteceu:
A corrida presidencial pode estar ainda empatada nas sondagens, mas as pesquisas efectuadas no Congresso estão assinalando uma vitória esmagadora dos democratas. Poucos questionam a previsão de que os republicanos receberão uma surra no dia 4 de Novembro. As previsões indicam que os republicanos perderão cerca de 30 cadeiras na Câmara de Representantes, o que representaria um incrível repúdio a sua agenda. Os representantes do governo têm tanto medo de perder seus assentos que, quando apareceu esta "crise financeira" há duas semanas, deram-se conta que estavam diante de sua única oportunidade de separar-se de Bush antes da eleição, fazendo algo que fizesse parecer que estavam do lado da "gente".
Estava vendo ontem C-Span, uma das melhores comédias que assisti
Os valentes 95 democratas que romperam com Barney Frank e Chris Dodd eram os verdadeiros heróis, do mesmo modo como aqueles poucos que votaram contra a guerra em outubro de 2002. Reparem nos comentários dos republicanos Marcy Kaptur, Sheila Jackson Lee e Dennis Kucinich. Disseram a verdade. Os democratas que votaram a favor do pacote o fizeram em grande parte porque estavam temerosos das ameaças de Wall Street, que se os ricos não recebessem sua dádiva, os mercados enlouqueceriam e então adeus às pensões que dependem das ações e adeus aos fundos de aposentadoria. E adivinhem? Isso é exatamente o que fez Wall Street! A maior queda em um único dia no índice Dow da Bolsa de Valores de Nova York.
À noite, os apresentadores de televisão gritavam: os americanos acabaram de perder 1,2 bilhão de dólares na Bolsa! É o Pearl Harbour financeiro! Caiu o céu! Gripe aviária! Obviamente, quem conhece a bolsa sabe que ninguém "perdeu" nada ontem, que os valores sobem e baixam e que isso também acontecerá porque os ricos compraram agora que estão baixo, os segurarão, depois os venderão e logo em seguida os comprarão novamente quando estiverem baixos de novo. Mas, por enquanto, Wall Street e seu braço de propaganda (as redes de TV e os meios de comunicação que possuem) continuarão tratando de nos meter medo. Algumas pessoas perderão seus empregos. Uma débil nação de fantoches não suportará muito tempo esta tortura. Ou poderemos suportar?
Eis no que acredito: a liderança democrata na Câmara baixa esperava secretamente todo o tempo que esta péssima lei fracassasse. Com as propostas de Bush derrotadas, os democratas sabiam que poderiam então escrever sua própria lei que não favoreça apenas os 10% mais ricos que estavam esperando outro lingote de ouro. De modo que a bola está nas mãos da oposição. O revólver de Wall Street, porém, aponta para suas cabeças. Antes que dêem o próximo passo, deixem-me dizer no que os meios de comunicação silenciaram enquanto se debatida essa lei:
1. A lei de resgate NÃO prevê recursos para o chamado grupo de supervisão que deve monitorar como Wall Street vai gastar os 700 bilhões de dólares;
2. A lei NÃO considerava multas, sanções ou prisão para nenhum executivo que roubar dinheiro público;
3. A lei NÃO fez nada obrigar aos bancos e aos fundos de empréstimo a renovar as hipotecas do povo para evitar execuções. Esta lei não deteria uma sequer execução!
4. Em toda a legislação NÃO havia nada executável, usando palavras como "sugerido" quando se referiam à devolução do dinheiro do resgate a ser feito pelo governo.
5. Mais de 200 economistas escreveram ao Congresso e disseram que esta lei poderia piorar a crise financeira e provocar ainda MAIS uma queda.
É hora de nosso lado estabelecer claramente as leis que queremos aprovar.
* Tradução do artigo de Michael Moore publicado no jornal Página 12. Tradução para o espanhol: Celita Doyhambéhére. Tradução para o português: Marco Aurélio Weissheimer (Mensagem enviada pela amiga Madalena, do blogue Pensamentos e Espiritualidade)
1 comentário:
Os pobres é que pagam as crises.
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