Esta manhã li esta
notável opinião do alemão Joschka Fischer, e fiquei a remoer, enquanto andamos
todos muito distraídos e consumidos pela crise (na Europa), no Médio Oriente, avolumam-se as nuvens que poderão levar a um confronto
regional ou mesmo global.
Para além da habitual parafernália aeronaval
americana, há mais duas esquadras norte-americanas a caminho, uma da Síria e
outra do Irão. Só que em águas sírias estão navios de combate russo, para o que der e
vier…
A China também já
avisou que qualquer ataque ao Irão será como um ataque a ela própria…
Para além disso e que
dizer dos espiões americanos capturados no Irão e da guerra suja das embaixadas no Irão e a
retirada de pessoal diplomático e das missões não governamentais, sabem o que
isso quer dizer?
Mais palavras para quê?
Deixo-vos com algo que vale a pena ler, nestes tempos em que andamos todos
anestesiados, que não conseguimos avistar as nuvens que estão a ensombrar o
nosso horizonte…
Irão a caminho da
guerra?
“Enquanto a Europa
continua preocupada com a sua própria crise em câmara lenta, e outras potências
mundiais continuam a ser hipnotizadas pelo espectáculo bizarro dos inúmeros
esforços das instituições europeias em salvarem o euro (e dessa forma o sistema
financeiro global), nuvens de guerra concentram-se em massa sobre o Irão, uma
vez mais.
Ao longo de vários
anos, o Irão tem promovido tanto um programa nuclear, como também o
desenvolvimento de mísseis de longo alcance, o que aponta somente para uma
conclusão: os líderes do país estão empenhados em fabricar armas nucleares, ou
pelo menos em alcançar a tecnologia até ao limiar, onde somente uma única
decisão política é necessária para atingir esse fim.
A última linha de acção
iria, sem dúvida, manter o Irão no âmbito do Tratado de Não Proliferação
Nuclear (TNP), de que é signatário. Mas não pode existir nenhuma dúvida
razoável sobre as intenções das autoridades iranianas. De outra forma, os
programas nucleares e mísseis seriam um desperdício de dinheiro. Afinal de
contas, o Irão não precisa de tecnologia de enriquecimento de urânio. O país só
tem um reactor nuclear civil, com barras de combustível fornecidas pela Rússia,
e a tecnologia iraniana que está actualmente a ser desenvolvida não pode ser
utilizada nisso.
Mas o enriquecimento de
urânio faz muito sentido para quem quer uma arma nuclear; na verdade, para esse
propósito, o enriquecimento é indispensável. Além do mais, o Irão está a
construir um reactor a água pesada, supostamente para fins de investigação, mas
cuja existência também é necessária para fabricar uma bomba de plutónio.
O Irão, em violação do
TNP, escondeu partes substanciais deste programa. O país também gastou milhões
de dólares em compras ilegais, de tecnologias de enriquecimento e programas de
armas nucleares, aos cientistas nucleares paquistaneses e ao negociante do
mercado negro A.Q. Khan, o “pai da bomba paquistanesa”. O Irão tentou ocultar
estas transacções durante anos, até que a sua máscara foi descoberta quando a
Líbia começou a cooperar com o Ocidente e expôs a rede de Khan.
Um Irão munido com
armas nucleares (ou uma decisão política para as possuir) alteraria,
drasticamente, o equilíbrio estratégico do Médio Oriente. Na melhor das
hipóteses, uma corrida ao armamento nuclear ameaçaria consumir esta região, já
instável, o que colocaria em risco o TNP, com extensas consequências globais.
Na pior das hipóteses,
as armas nucleares serviriam a política externa “revolucionária” do Irão na
região, que tem sido aplicada pelos líderes do país desde o nascimento da
República Islâmica em 1979. A combinação de uma política externa anti-status
quo com armas nucleares e mísseis é um pesadelo não só para Israel, que pelo
menos tem capacidade de segunda ofensiva, mas também para os vizinhos árabes
não-nucleares do Irão e para a Turquia.
De facto, os países do
Golfo, incluindo a Arábia Saudita, sentem-se existencialmente mais ameaçados
pelo Irão do que Israel. O perfil de segurança da Europa mudaria, também
drasticamente, caso o Irão possuísse ogivas nucleares e mísseis de longo
alcance.
Todas as tentativas de
negociação não levaram a lugar nenhum, com o Irão a continuar a enriquecer
urânio e a melhorar a sua tecnologia nuclear. As sanções, apesar de úteis, só
funcionam a muito longo prazo e uma mudança no equilíbrio de poderes dentro do
país não se prevê a curto prazo. Sendo assim, trata-se só de uma questão de
tempo – e não muito tempo – até que as nações vizinhas do Irão, e a comunidade
internacional, se confrontarão com uma fatídica escolha: ou aceitam o Irão como
uma potência nuclear, ou decidem que a mera perspectiva, à medida que se torna
mais realista, está a conduzir à guerra.
O presidente Barack
Obama já deixou claro que os Estados Unidos não aceitarão o Irão como uma
potência nuclear, em nenhuma circunstância. O mesmo também se aplica para
Israel e para os vizinhos árabes do Irão no Golfo.
O próximo ano promete
ser crítico. O governo israelita sugeriu, recentemente, que o Irão atingiria o
limiar nuclear num prazo de nove meses e que poderia tornar-se numa grande
questão, na longa corrida eleitoral à presidência norte-americana, em Novembro
de 2012. E é difícil de imaginar que o actual governo de Israel ficará
impassível enquanto o Irão se torna numa potência nuclear (ou numa
quase-potência nuclear).Por outro lado, falar de intervenção militar – a qual,
dadas as circunstâncias, resumir-se-á largamente aos ataques aéreos – é barato.
Há sérias dúvidas sobre a possibilidade do programa nuclear iraniano ser
eliminado por meio aéreo. Na verdade, com a probabilidade de grande parte do
mundo condenar qualquer ataque, a intervenção militar poderia esclarecer o
caminho diplomático para uma bomba iraniana.
É melhor não pensar no
que o Médio Oriente poderia parecer, após este tipo de confronto. As forças da
oposição iranianas seriam, provavelmente, as primeiras vítimas da acção militar
ocidental e, noutros locais da região, a Primavera Árabe submergiria,
provavelmente, sob uma massiva onda de solidariedade anti-Ocidente com o Irão.
A região seria novamente empurrada para a violência e para o terror, ao invés
de continuar a sua transformação de baixo para cima. Os efeitos na economia
mundial não serão menos significativos, sem falar das consequências
humanitárias.
Uma última tentativa
numa solução diplomática afigura-se improvável, dado que a questão nuclear
desempenha um papel decisivo na luta de facções do regime iraniano, no qual
aquele que se compromete a favorecer pode ser considerado o perdedor. Além do
mais, os líderes iranianos parecem assumir que o país é grande demais e
poderoso demais para ser controlado por sanções ou ataques aéreos.
Historicamente, a
estrada para o desastre tem sido geralmente feita de boas intenções e de erros
graves de julgamento. Isso poderia acontecer novamente em 2012, quando os erros
de cálculo em todas as partes poderiam limpar o caminho para a guerra ou para
um Irão como potência nuclear – ou, em termos bastantes realistas, para ambas.
Uma nova escalada no Médio Oriente culminará nestas deploráveis alternativas,
mais cedo do que o previsto, a menos que seja encontrada uma solução
diplomática (ou a menos que a diplomacia possa pelo menos ganhar tempo).
Infelizmente, esse
cenário é pouco provável no próximo ano. Na ausência de qualquer caminho viável
para um compromisso diplomático norte-americano, com o Irão, o fardo de
organizar, convocar e conduzir tais negociações altamente sensíveis, cairá
sobre a Europa. E os líderes europeus, como o Irão sabe muito bem, têm outras
coisas nas suas mentes.”
Joschka Fischer,
ministro dos negócios estrangeiros da Alemanha e vice-chanceler entre 1998 a
2005, foi líder do Partido Verde alemão durante quase 20 anos.
Fonte: Público