Início
de tarde na Rotunda do Marquês de Pombal, em Lisboa, e uma enchente de
autocarros alugados por juntas de freguesia de todo o país. A manifestação
neste sábado contra a extinção de freguesias, organizada pela Associação
Nacional de Freguesias (Anafre), não seria um protesto qualquer.
Entre
cartazes e bandeiras, foram poucas as frases entoadas. A verdadeira palavra de
ordem, do Marquês ao Rossio, foi “identidade”. Distrito a distrito, com Viana
do Castelo primeiro. Ranchos folclóricos, associações culturais, recreativas e
desportivas. Os trajes tradicionais do Minho ao Algarve, os caretos, os
chocalheiros, os gigantones, os galos de Barcelos. A manifestação foi desfile,
numa espécie de marchas populares, versão país inteiro.
“Está
aqui a prova da força e da importância das freguesias”, disse o presidente da
Anafre, Armando Vieira, no final da manifestação que, pelas contas desta
associação, juntou 200.000 pessoas (a PSP falou em apenas 60.000). “Agora
queremos que o Governo retire daqui as ilações necessárias”, acrescentou,
frisando que esta manifestação pretende ser “uma ajuda à reflexão”. Estavam 600
autocarros confirmados. Apareceram muitos mais, garantia Armando Vieira. Só de
Braga, eram uns 100. Até as freguesias da Madeira e dos Açores estiveram
representadas na manifestação.
“A
nossa causa primeira é a da gente com rosto, com quem nos cruzamos todos os
dias”, afirmava Armando Vieira minutos antes para as dezenas de milhares de
manifestantes que não paravam de chegar ao Rossio, quando ainda os
representantes das freguesias do distrito de Lisboa começavam a desfilar na
avenida. “Gente anónima”, prosseguia, “mas a quem chamamos pelos seus nomes.”
Palavras
que nem todos seguiam com atenção. Como o Grupo Folclórico de Rio Covo,
freguesia de Santa Eugénia, concelho de Barcelos, que abriu um círculo entre os
manifestantes para uma actuação, ali mesmo. Não estavam ali para o discurso,
estavam para a festa.
Armando
Vieira prosseguia, entre aplausos de outros, mais atentos, lembrando que com
menos freguesias o país fica “mais pobre e mais infeliz” e que, caso se cumpra
o previsto no Documento Verde da Reforma da Administração Local em relação à
fusão de freguesias, às “populações fixadas nos lugares mais distantes apenas
restará o isolamento, o abandono, a distância, o problema sem solução”. O que
se passou em Lisboa, concluiu, foi “uma grande lição de força e de humildade”.
“Uma
resposta notável”
“Mas
isto admite-se?”, questionava Manuel Rogério, manifestante alentejano, cravo na
mão “para lembrar o 25 de Abril”, já que “em Lisboa se esquecem de tudo”. Já
vive a sete quilómetros da sede da junta de freguesia e não quer ficar mais
longe. São Marcos da Ataboeira, em Castro Verde, é uma freguesia com apenas
três habitantes por quilómetro quadrado. “Viemos lutar pela nossa freguesia,
que está em perigo”, completa Silvina Rosário José, que se deslocou a Lisboa
num autocarro providenciado pela junta e a convite do presidente, Manuel
Baptista.
Para
o líder do PCP, Jerónimo de Sousa, “o povo deu uma resposta notável” ao Governo
e ao “objectivo inaceitável de liquidação das freguesias”. Já o coordenador do
Bloco de Esquerda, Francisco Louçã, falou numa “manifestação magnífica, muito
verdadeira” e num “grande sinal político”, pela presença de muitos
sociais-democratas.
“O
Governo meteu-se com o povo e isto é Portugal inteiro a invadir Lisboa”,
comentou Maria do Carmo Bica, representante da Associação Portuguesa para o
Desenvolvimento Local.
Na
sexta-feira, o PSD apresentou à Anafre uma proposta que permitia aos municípios
fundirem menos 20% de freguesias em relação àquilo que estava inicialmente
previsto. “É uma atitude de aproximação que registo com agrado, embora longe
das nossas posições sobre a matéria”, reagiu Armando Vieira, que explicou que
“esta reforma tem de ser feita com os eleitos e com os cidadãos, não contra uns
e outros”.
Fonte:
Público
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