domingo, abril 01, 2012

O país foi a Lisboa mostrar ao Governo o que é uma freguesia


Início de tarde na Rotunda do Marquês de Pombal, em Lisboa, e uma enchente de autocarros alugados por juntas de freguesia de todo o país. A manifestação neste sábado contra a extinção de freguesias, organizada pela Associação Nacional de Freguesias (Anafre), não seria um protesto qualquer.
Entre cartazes e bandeiras, foram poucas as frases entoadas. A verdadeira palavra de ordem, do Marquês ao Rossio, foi “identidade”. Distrito a distrito, com Viana do Castelo primeiro. Ranchos folclóricos, associações culturais, recreativas e desportivas. Os trajes tradicionais do Minho ao Algarve, os caretos, os chocalheiros, os gigantones, os galos de Barcelos. A manifestação foi desfile, numa espécie de marchas populares, versão país inteiro.
“Está aqui a prova da força e da importância das freguesias”, disse o presidente da Anafre, Armando Vieira, no final da manifestação que, pelas contas desta associação, juntou 200.000 pessoas (a PSP falou em apenas 60.000). “Agora queremos que o Governo retire daqui as ilações necessárias”, acrescentou, frisando que esta manifestação pretende ser “uma ajuda à reflexão”. Estavam 600 autocarros confirmados. Apareceram muitos mais, garantia Armando Vieira. Só de Braga, eram uns 100. Até as freguesias da Madeira e dos Açores estiveram representadas na manifestação.
“A nossa causa primeira é a da gente com rosto, com quem nos cruzamos todos os dias”, afirmava Armando Vieira minutos antes para as dezenas de milhares de manifestantes que não paravam de chegar ao Rossio, quando ainda os representantes das freguesias do distrito de Lisboa começavam a desfilar na avenida. “Gente anónima”, prosseguia, “mas a quem chamamos pelos seus nomes.”
Palavras que nem todos seguiam com atenção. Como o Grupo Folclórico de Rio Covo, freguesia de Santa Eugénia, concelho de Barcelos, que abriu um círculo entre os manifestantes para uma actuação, ali mesmo. Não estavam ali para o discurso, estavam para a festa.
Armando Vieira prosseguia, entre aplausos de outros, mais atentos, lembrando que com menos freguesias o país fica “mais pobre e mais infeliz” e que, caso se cumpra o previsto no Documento Verde da Reforma da Administração Local em relação à fusão de freguesias, às “populações fixadas nos lugares mais distantes apenas restará o isolamento, o abandono, a distância, o problema sem solução”. O que se passou em Lisboa, concluiu, foi “uma grande lição de força e de humildade”.
“Uma resposta notável”
“Mas isto admite-se?”, questionava Manuel Rogério, manifestante alentejano, cravo na mão “para lembrar o 25 de Abril”, já que “em Lisboa se esquecem de tudo”. Já vive a sete quilómetros da sede da junta de freguesia e não quer ficar mais longe. São Marcos da Ataboeira, em Castro Verde, é uma freguesia com apenas três habitantes por quilómetro quadrado. “Viemos lutar pela nossa freguesia, que está em perigo”, completa Silvina Rosário José, que se deslocou a Lisboa num autocarro providenciado pela junta e a convite do presidente, Manuel Baptista.
Para o líder do PCP, Jerónimo de Sousa, “o povo deu uma resposta notável” ao Governo e ao “objectivo inaceitável de liquidação das freguesias”. Já o coordenador do Bloco de Esquerda, Francisco Louçã, falou numa “manifestação magnífica, muito verdadeira” e num “grande sinal político”, pela presença de muitos sociais-democratas.
“O Governo meteu-se com o povo e isto é Portugal inteiro a invadir Lisboa”, comentou Maria do Carmo Bica, representante da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Local.
Na sexta-feira, o PSD apresentou à Anafre uma proposta que permitia aos municípios fundirem menos 20% de freguesias em relação àquilo que estava inicialmente previsto. “É uma atitude de aproximação que registo com agrado, embora longe das nossas posições sobre a matéria”, reagiu Armando Vieira, que explicou que “esta reforma tem de ser feita com os eleitos e com os cidadãos, não contra uns e outros”.
Fonte: Público

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