Uma
cortina de silêncio abateu-se estranhamente sobre o Império do Meio, há rumores
de militares com tanques de novo nas ruas de Pequim, tiros, carros de polícia,
prisões e detenções. Certo, certo é que oficialmente nada se sabe, nada
transparece, a informação é controlada ferreamente.
A
destituição de Bo Xilai, presidente do governo da cidade autónoma de Chongqing
e líder do Partido Comunista Chinês (PCC) local, colocou Pequim no centro de
rumores de um golpe de Estado que os correspondentes da imprensa ocidental não
confirmam, mas que nem por isso fazem parar.
O
facto de a imprensa oficial chinesa pouco se ter referido ao tema, tirando uma
declaração de uma linha que dava conta da destituição de Bo – a mais importante
purga das últimas décadas – na sexta-feira, forneceu o ambiente perfeito para a
multiplicação dos rumores.
Um
dos boatos, que se espalhou como fogo em capim, surgiu na segunda-feira à
noite, segundo o jornalista do “Financial Times”. Um golpe militar liderado por
Zhou Yongkang, próximo de Bo Xilai e chefe dos serviços de segurança do Estado,
estava a acontecer e ouviam-se trocas de tiros em Zhongnanhai, o complexo onde
residem os principais líderes do país. Jamil Anderlini, o correspondente do
jornal, passou pelo local nessa mesma noite e não viu indícios de qualquer
acontecimento extraordinário.
O
mesmo escreve Damian Grammaticas, correspondente da BBC na capital chinesa:
“Ok, antes de começarem a ficar demasiado agitados, não há nenhum golpe. Para
ser mais exacto, tanto quanto sabemos não há nenhuma tentativa de golpe.”
Só
que isso é a imprensa ocidental. Os chineses habituaram-se à internet, aos
blogues, aos microblogues, às redes sociais, a tudo o que lhes permita
ultrapassar a mão-de-ferro com que o governo controla a imprensa. E esse é um
campo minado para a veracidade. Ficções, mentiras, mitos, tudo se conjuga numa
amálgama caótica na qual é difícil destrinçar se há algo parecido com factos.
Há
fotografias de tanques e blindados nas ruas que são de arquivo e muitas nem
sequer são de Pequim, apesar de pretenderem demonstrar que há mesmo um golpe de
Estado em curso.
Mesmo
assim, uma fonte próxima dos serviços de segurança do Estado disse ao
“Financial Times” que Zhou Yongkang está “sob algum tipo de controlo” e foi-lhe
pedido que evite as intervenções públicas e não participe em quaisquer reuniões
de alto nível.
Christina
Larson, especialista em China da revista “Foreign Policy”, lembrava ontem no
blogue dos directores da FP que esta multiplicação de rumores na internet surge
numa altura em que o governo apresentou planos para reforçar os controlos e
exigir o registo com nome próprio no site de microblogues Weibo, o equivalente
chinês do Twitter – exactamente numa tentativa de controlar os fluxos de
informação, tal como acontece com a imprensa oficial.
No
entanto, habituadas ao secretismo e ao controlo dos media, as
autoridades chinesas lidam pior quando se trata de tentar controlar as
informações que vão circulando pela internet. Usar uma única linha para explicar
o afastamento de Bo Xilai, um político popular que estava na calha para
ascender ao Comité Permanente do Politburo do PCC em Outubro (ver texto ao
lado), o núcleo de nove pessoas que gere efectivamente o país, é um convite à
especulação.
A
mesma fonte citada pelo “Financial Times” refere que Bo está sob prisão
domiciliária, enquanto a mulher foi levada para interrogatório por suspeita de
corrupção, crime de que habitualmente são acusados os líderes do país caídos em
desgraça.
As
histórias que se contam em relação à queda de Bo Xilai prendem-se com a
tentativa do ex-presidente do governo de Chongqing de abafar uma investigação
de corrupção à sua família. Bo terá pressionado o vice-presidente e chefe da
polícia da cidade, Wang Lijun, e este acabou a tentar pedir asilo político no
consulado dos Estados Unidos em Chengdu. Negado o pedido, Wang foi levado pelos
serviços de segurança do Estado, adianta a BBC.
Visto
como um neo-maoista, defensor de uma maior redistribuição da riqueza proveniente
do crescimento económico da China e de um regresso a alguns dos valores da
Revolução Cultural, Bo Xilai era o principal rosto de um dos modelos apontados
para o desenvolvimento do país. E terá perdido a luta. “Bo é a mais dramática
manifestação da contestação interna. É por essa razão que tinha de desaparecer.
Isto apesar de ser o ‘príncipe’ herdeiro de um dos oito imortais da geração
revolucionária de Mao”, Bo Yibo, diz David Pilling no “Financial Times”.