Quando os cumes dos alpes
são mais calorosos do que o refúgio caseiro.
Em 2008, a
realizadora suíça Ursula Meier fez uma bizarra mas fascinante primeira longa
metragem, Home, uma espécie “on the road” sedentário, os protagonistas
literalmente encontravam-se em cima de uma auto-estrada, mas não saíam do mesmo
lugar, encapsulados voluntariamente num doce lar que se torna bunker, uma
atitude de resistência passiva. Neste novo filme (Urso de Prata em Berlim), a
realizadora resgata não só o seu pequeno actor que já tinha tido uma prestação
admirável em Home, Kacey Mottet Klein, como recupera uma certa ideia de
movimento estagnado. As personagens movem-se o tempo todo, mas não sairão do mesmo lugar. Há algo que também faz "raccord" com aquele seu anterior
filme: a estrada, sempre a estrada cinzenta e seus roncares de motores, que tem
de ser atravessada quando se transita de um mundo para outro: e nisto a Suíça
parece ser verdadeiramente grande. Porque as personagens têm um movimento
pendular, teleférico acima, teleférico abaixo. Mas por mais que subam, do vale
sempre cinzento e ensombrado, para a estância de ski, luminosa, onde pessoas de
existências luxuosas deslizam pela neve, com todo o equipamento também luxuoso,
não vão sair nunca do buraco emocional e doméstico em que se encontram.
É difícil de
enquadrar este filme no melodrama, porque a realizadora roça a indulgência
sentimental, mas nunca se deixa instalar lá (há uma certa sordidez lavada),
mesmo quando se invertem os papéis na parca gestão familiar, entre o pequeno
actor (um pré-adolescente) e a sua "irmã" (uma pós-adolescente). Ela
tem uma vida emocional e profissional errática e é o miúdo de 12 anos que
aguenta a casa, com esquemas e roubos lá no mundo dos cumes alpinos. Parece
mais uma "upstairs and downstairs story". Estamos no lado sombra da
Suíça, nos esconsos das estância, nos
balneários, cozinhas, armazéns respiradouros e ventoinhas onde circulam os
criados, e se ocultam os contentores e caixotes do lixo. E mostra-se como podem
ser desinteressantes esses resorts da neve, de rastos tão trilhados por excursões
de turistas sempre iguais, onde o chão é sempre branco e as pessoas indiferenciadamente inchadas de latex. Mas o refúgio, o abrigo, é definitivamente lá em cima. Mais uma vez é o ambiente doméstico de Meier que sufoca e a atmosfera pode ser, realmente, rarefeita.
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