sexta-feira, agosto 03, 2012

A Invasão do Mar, de Júlio Verne


No centenário da morte de Júlio Verne, a Antígona lança um romance que não se encontra certamente entre os mais conhecidos. A Invasão do Mar, editado em 1905, é, no entanto, a última obra que o escritor reviu antes de morrer, no dia 24 de Março do mesmo ano. Na realidade, o manuscrito denominava-se O Mar Sariano e o título pelo qual Verne premonitoriamente optou evoca a catástrofe a devastação a morte colocando assim a narrativa sob o signo de uma fatalidade anunciada. Numa primeira abordagem, o que despertará o interesse do leitor é o facto de ser um exótico romance «tunisino» e consagrado a um sonho ou a uma utopia que deve tanto aos sortilégios da mitologia quanto aos cálculos dos geógrafos e dos economistas. Trata-se, por um lado, de um romance dúplice na medida em que o herói da liberdade, Hadjar, e o campeão dos empreendimentos tecnológicos audaciosos, De Schaller, são colocados no mesmo plano e, por outro, de um romance trágico, pois a tragédia, pelo menos segundo Pierre Corneille, reside na encenação de um dilema cuja insolubilidade só pode ser resolvida através do sofrimento e da morte do herói. Este pode ser considerado um texto-testamento um texto-confissão onde, através do subterfúgio da ironia, Verne põe em causa a presunção do capitalismo e do colonialismo em mudar o mundo impondo as suas leis aos povos cujo direito à terra usurpam em nome do bem futuro deles e no qual é notório que Verne viveu dividido entre a sua admiração pelos heróis modernos da ciência e da tecnologia ocidentais e a sua vocação sempre juvenil e irreprimível de tomar parte no heroísmo libertário.

Parece-me que estou a ouvi-los: "Quê?! Júlio Verne?!"
Sim, Júlio Verne, e depois? É um dos grandes clássicos da Ficção Científica, mesmo que aquilo que escreveu tenha sido na sua maior parte reciclado para literatura juvenil. Escreveu romances e contos da FC mais "hard" do seu tempo, ainda que, em retrospectiva, a fantasia pareça por vezes delirante. O cinismo sabichão do século XXI pode rir-se, por exemplo, da ideia de viajar até ao centro da Terra e lá encontrar um ecossistema mesozóico, mas no século XIX tudo isso estava bem dentro do reino do possível. Parece que o bom velho Verne fazia questão nisso. E aqueles que, mesmo que não o saibam, são seus seguidores, continuam a fazê-la.
Quanto a este livro, A Invasão do Mar, está longe do melhor Verne. Um grupo de engenheiros da França colonial embarca num projecto megalómano que pretende, através de canais que façam comunicação com o Mediterrâneo, criar um mar interior na cadeia de chotts (Djerid e Melrir) que atravessam a zona central da Tunísia e entram pela Argélia. O projecto é contrariado pelos tuaregues locais, que vêem o seu estilo de vida ameaçado. E eis o conflito gerado.
O livro desenvolve-se à boa maneira dos romances de aventuras, género em que Verne era exímio. São 200 páginas de peripécias e perigos de que os heróis têm de escapar, sejam naturais (o meio ambiente é bastante adverso), sejam artificiais (os inimigos são ardilosos e conhecem melhor a zona que os heróis). Tudo isto é coroado por um deus ex-machina que encerra a história e põe fim ao suspense num capítulo de 9 páginas intitulado "Desfecho" e onde, à boa maneira das telenovelas, tudo acontece ao mesmo tempo. Obviamente não vou falar mais dele - o livro perde interesse se se conhecer a sua chave de antemão. Mas tenho de dizer que é fundamentalmente devido a esse desfecho e a uma certa atmosfera que hoje lembra o steampunk, que o romance se pode enquadrar dentro da literatura fantástica.
Os deus ex-machina, quando aparecem, são sinal seguro de que algo não correu lá muito bem com a história. É o caso. Não só dá por vezes a ideia de que Verne perde o fio à meada, como os personagens estão muito longe da riqueza de um Nemo ou de um Phileas Fogg, e o respeito que o senhor francês costumava demonstrar pelas culturas indígenas, mesmo que temperado pelos preconceitos típicos da época, custa a ver-se neste livro.
A Invasão do Mar é dos livros mais desconhecidos de Jules Verne. Merecidamente.
Quanto à tradução, de Joaquim dos Anjos, é regular. Notam-se aqui e ali algumas falhas, mas nada de gritante, e o tradutor respeita bem a simplicidade da prosa do autor.
Em resumo: três estrelas.”

1 comentário:

Sérgio disse...

Críticos literários me dão ânsia de vômito! que povo sórdido. Deixa que eu leia o livro, e eu tire às minhas próprias conclusões. E que se dane, a opinião dos outros.

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