No
centenário da morte de Júlio Verne, a Antígona lança um romance
que não se encontra certamente entre os mais conhecidos. A Invasão
do Mar, editado em 1905, é, no entanto, a última obra que o
escritor reviu antes de morrer, no dia 24 de Março do mesmo ano. Na
realidade, o manuscrito denominava-se O Mar Sariano e o título pelo
qual Verne premonitoriamente optou evoca a catástrofe a devastação
a morte colocando assim a narrativa sob o signo de uma fatalidade
anunciada. Numa primeira abordagem, o que despertará o interesse do
leitor é o facto de ser um exótico romance «tunisino» e
consagrado a um sonho ou a uma utopia que deve tanto aos sortilégios
da mitologia quanto aos cálculos dos geógrafos e dos economistas.
Trata-se, por um lado, de um romance dúplice na medida em que o
herói da liberdade, Hadjar, e o campeão dos empreendimentos
tecnológicos audaciosos, De Schaller, são colocados no mesmo plano
e, por outro, de um romance trágico, pois a tragédia, pelo menos
segundo Pierre Corneille, reside na encenação de um dilema cuja
insolubilidade só pode ser resolvida através do sofrimento e da
morte do herói. Este pode ser considerado um texto-testamento um
texto-confissão onde, através do subterfúgio da ironia, Verne põe
em causa a presunção do capitalismo e do colonialismo em mudar o
mundo impondo as suas leis aos povos cujo direito à terra usurpam em
nome do bem futuro deles e no qual é notório que Verne viveu
dividido entre a sua admiração pelos heróis modernos da ciência e
da tecnologia ocidentais e a sua vocação sempre juvenil e
irreprimível de tomar parte no heroísmo libertário.
“Parece-me que estou a
ouvi-los: "Quê?! Júlio Verne?!"
Sim, Júlio Verne, e
depois? É um dos grandes clássicos da Ficção Científica, mesmo
que aquilo que escreveu tenha sido na sua maior parte reciclado para
literatura juvenil. Escreveu romances e contos da FC mais "hard"
do seu tempo, ainda que, em retrospectiva, a fantasia pareça por
vezes delirante. O cinismo sabichão do século XXI pode rir-se, por
exemplo, da ideia de viajar até ao centro da Terra e lá encontrar
um ecossistema mesozóico, mas no século XIX tudo isso estava bem
dentro do reino do possível. Parece que o bom velho Verne fazia
questão nisso. E aqueles que, mesmo que não o saibam, são seus
seguidores, continuam a fazê-la.
Quanto a este livro, A
Invasão do Mar, está longe do melhor
Verne. Um grupo de engenheiros da França colonial embarca num
projecto megalómano que pretende, através de canais que façam
comunicação com o Mediterrâneo, criar um mar interior na cadeia de
chotts (Djerid e
Melrir) que atravessam a zona central da Tunísia e entram pela
Argélia. O projecto é contrariado pelos tuaregues locais, que vêem
o seu estilo de vida ameaçado. E eis o conflito gerado.
O livro desenvolve-se à
boa maneira dos romances de aventuras, género em que Verne era
exímio. São 200 páginas de peripécias e perigos de que os heróis
têm de escapar, sejam naturais (o meio ambiente é bastante
adverso), sejam artificiais (os inimigos são ardilosos e conhecem
melhor a zona que os heróis). Tudo isto é coroado por um deus
ex-machina que encerra a história e põe
fim ao suspense num capítulo de 9 páginas intitulado "Desfecho"
e onde, à boa maneira das telenovelas, tudo acontece ao mesmo tempo.
Obviamente não vou falar mais dele - o livro perde interesse se se
conhecer a sua chave de antemão. Mas tenho de dizer que é
fundamentalmente devido a esse desfecho e a uma certa atmosfera que
hoje lembra o steampunk,
que o romance se pode enquadrar dentro da literatura fantástica.
Os deus
ex-machina, quando aparecem, são sinal
seguro de que algo não correu lá muito bem com a história. É o
caso. Não só dá por vezes a ideia de que Verne perde o fio à
meada, como os personagens estão muito longe da riqueza de um Nemo
ou de um Phileas Fogg, e o respeito que o senhor francês costumava
demonstrar pelas culturas indígenas, mesmo que temperado pelos
preconceitos típicos da época, custa a ver-se neste livro.
A Invasão do Mar
é dos livros mais desconhecidos de Jules Verne. Merecidamente.
Quanto à tradução, de
Joaquim dos Anjos, é regular. Notam-se aqui e ali algumas falhas,
mas nada de gritante, e o tradutor respeita bem a simplicidade da
prosa do autor.
Em resumo: três
estrelas.”
1 comentário:
Críticos literários me dão ânsia de vômito! que povo sórdido. Deixa que eu leia o livro, e eu tire às minhas próprias conclusões. E que se dane, a opinião dos outros.
Enviar um comentário