sexta-feira, julho 27, 2012

Gronelândia sem gelo 2

O assunto mereceu capa de jornal de um dos maiores jornais portugueses, que lhe dedica hoje vasta matéria:

“Em apenas quatro dias, a superfície de gelo que cobre a maioria da Gronelândia começou a derreter quase na totalidade, um fenómeno nunca antes observado. Ao mesmo tempo, vídeos na Internet mostram uma ponte destruída e uma carrinha a ser levada pelo caudal do rio.


Na filmagem de um dos vídeos vê-se o rio Watson, na região de Sondrestrom, na costa Oeste da Gronelândia, visto do ar. As imagens foram captadas dia 21 de Julho, nove dias antes há outro vídeo do rio em que a ponte já está destruída. Mas a 10 de Julho, num terceiro vídeo, vêem-se os tractores a percorrerem a ponte e a colocarem terra para travar o caudal, embora a água já passasse por cima de parte da construção.

Ao mesmo tempo, o satélite Oceansat-2 testemunhava um fenómeno que só se conhecia nos registos dos glaciares e nunca tinha sido testemunhado. Entre 8 e 12 de Julho, a área da superfície de gelo que se estava a derreter do enorme glaciar que cobre grande parte da Gronelândia passou de 40% para 97%, um fenómeno nunca antes visto que a agência espacial norte-americana (NASA) anunciou nesta quarta-feira.

“O que aconteceu foi uma fusão anómala da massa de gelo da Gronelândia. A película superficial de gelo fundiu muito mais nas últimas semanas”, explicou Gonçalo, investigador do Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa e especialista no estudo de glaciares. “É surpreendente porque este fenómeno nunca tinha sido observado pelos dados de satélite”.


A Gronelândia, uma região autónoma da Dinamarca, é a maior ilha da Terra (a Austrália é um continente), tem 2,1 milhões de quilómetros quadrados, cerca de um quarto da área do Brasil. Destes, 1,7 milhões de quilómetros quadrados estão cobertos de gelo que se acumulou ao longo de centenas de milhares de anos.

É um enorme glaciar que, no seu pico, atinge os três quilómetros de espessura e tem um volume de 2,85 milhões de quilómetros cúbicos. Se toda esta água congelada da ilha derretesse e se diluísse nos oceanos, o nível médio do mar subiria 7,2 metros, inundando cidades costeiras um pouco por todo o mundo.

Todos os anos, durante o Verão, as temperaturas sobem o suficiente para parte da superfície desta calote de gelo se derreter. Mas numa vastíssima área o ar não aquece o suficiente para que haja fusão das neves e dos gelos. Muito do gelo que se funde nunca alcança o mar e acaba por voltar a congelar quando as temperaturas baixam.

A área de derretimento de 40%, registada a 8 de Julho, já era considerada um pico para o Verão. Este derretimento específico está associado a uma massa de ar quente que se instalou por cima da ilha a 8 de Julho e que se afastou a 16 de Julho.

Ano após ano, a Gronelândia perde mais gelo que se funde durante a estação quente do que ganha gelo durante o Inverno. Mas é preciso esperar pelo fim do ano para perceber que quantidade de gelo é que perdeu e que impacto é que este episódio vai ter.

Registos dos glaciares analisados através de perfurações já tinham mostrado que este episódio não foi único e que aconteceu também em 1889, tendo uma periodicidade de 150 anos. Por isso, os cientistas questionam-se se o que ocorreu neste Julho foi o ciclo a cumprir-se ou é mais uma consequência das alterações climáticas. “A minha opinião é que é um acumular de fenómenos ligados ao aquecimento global”, defendeu Gonçalo Vieira.

Este episódio de derretimento extremo é mais um dos vários fenómenos que os cientistas tem olhado com preocupação, como a diminuição do gelo do Árctico, que nos últimos anos tem atingido uma área mínima na altura de Setembro, batendo um recorde em 2007.
Um estudo que saiu agora considera que pelo menos 70% desta diminuição é causada pelas alterações climáticas produzidas pelo Homem. A investigação produzida por cientistas do Centro Nacional de Ciências Atmosféricas da Universidade de Reading, no Reino Unido e foi publicada na revista Environmental Research Letters.“Desde a década de 1970 que existe um decréscimo de 40% na extensão de gelo [polar] no Verão”, disse Jonny Day, autor do artigo. “Tentámos determinar quanto desta diminuição era culpa da variabilidade natural.”

Para isso, os investigadores foram analisar os modelos que interpretam a variabilidade climática no árctico causado por uma oscilação climática que existe no Atlântico Norte e comparar com os registos meteorológicos desde 1979. “Só conseguimos atribuir no máximo 30% à [oscilação]”, disse o cientista. “O que implica que o resto é causado por outra coisa diferente, e o mais provável é ser as mudanças globais feitas pelo Homem.”

A Gronelândia é a segunda maior reserva de água que com o potencial de fazer subir o nível médio do mar. A primeira fica no lado oposto do globo, é a extensa camada de gelo que cobre a Antárctica.

A região Oeste do continente tem sido o centro das atenções dos cientistas por causa do derretimento rápido que se testemunha. Alguns glaciares estão a perder um metro de gelo por ano. Um estudo que foi publicado agora na Nature mostra que existe nesta região, por baixo do gelo, um vale imenso que em algumas partes chega a ter 1,6 quilómetros e é comparável ao Grand Canyon, nos Estados Unidos.

Segundo a equipa da Universidade de Aberdeen, no Reino Unido, este vale permite que o oceano mais quente entre pelo continente e acelere a fusão da camada de gelo que está por cima. Os cientistas observaram uma distância de 2400 quilómetros com um radar na região remota de Ferrigno Ice Stream.

“Se despíssemos o gelo desta região agora, veríamos uma paisagem tão dramática quanto as enormes falésias e vales que se vêem em África e tão importantes como o Grand canyon”, Robert Bingham, em comunicado. “O que é particularmente importante é que este vale espectacular alinha-se perfeitamente com o registo da diminuição de gelo na superfície e a perda de gelo que se testemunha por satélite nos últimos 20 anos, nesta área”, refere o glaciologista. Os cientistas defendem que este vale e o gelo estão em contacto com o oceano.

David Vaughan, cientista do British Antarctic Survey, em Cambridge, no Reino Unido, que fez parte do estudo relembra que a diminuição do gelo na região Oeste da Antárctica contribui para um décimo do aumento do nível do mar. “É importante compreender este ponto forte de mudança para podermos fazer previsões melhores no futuro”, disse em comunicado.”

Citando o jornal Público



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