Quem controla as ruas do Rio de Janeiro?
A Polícia Brasileira ou os gangs da favela que controlam os morros e as rotas da droga?
“Fiquei fascinado com as fotografias do Rio de Janeiro dos gangs feitas por João Pina desde o primeiro momento em que pousei os olhos nelas. Esta série de retratos extraordinariamente intimistas oferece-nos uma perspectiva corajosa das realidades paralelas do Rio – a favela e o asfalto – na sua humanidade mais crua.
É raro penetrarmos tão profundamente no interior de favelas como o Morro do Dendê, cuja realidade vemos de muito perto, e de modo amplo, nestas fotografias. Jovens delinquentes armados partilhando um momento de despreocupação em torno de uma mesa de matraquilhos; posando com as armas, numa demonstração de bravata, com o próprio sacerdote – o pastor Sidney Aspino – que chamou a si a tarefa de lhes exorcizar os demónios, se não mesmo de lhes salvar a alma; vemos o chefe do gang, Fernandinho, mais conhecido por decapitar as pessoas, a descansar na cama de sua casa, com a sua tatuagem de Jesus Cristo e a sua bicicleta de exercício; vemos mulheres a desmaiar em público, no êxtase religioso, quase orgástico, de um exorcismo nocturno na igreja local. E vemos as repercussões terríveis desta forma de vida: a adrenalina e o medo dos polícias quando se movem num bairro que lhes é tão hostil como o Afeganistão controlado pelos taliban o é para as tropas norte-americanas; os amontoados patéticos em que se transformam os corpos dos homens assassinados quando são retirados das bermas da estrada, onde os largam durante a noite.
Estas imagens, a preto e branco, muitas vezes captadas durante a noite, são uma viagem inquietante através de uma realidade que se tornou assustadoramente permanente no Rio de Janeiro. Estão dotadas de um classicismo intrínseco que evoca o cenário do filme dos anos 50 Orfeu Negro e oferecem uma prova perturbadora de que, passado meio século, a mesma luta entre o Bem e o Mal no meio de uma pobreza eterna – e beleza humana também – prossegue sem quartel na Cidade Maravilhosa.
Queria encontrar uma maneira de escrever sobre a realidade do Rio – tão inquietante, tão irresistível – desde que visitei a cidade pela primeira vez há uns doze anos, mas apenas quando vi as imagens do João senti que tinha encontrado alguém com um olhar gémeo. Em si mesmo, o João impressionou-me como bom companheiro e guia para um desbravar mais profundo do mundo que ele já começara a documentar. Tudo isto acabaria por conduzir à nossa reportagem conjunta no Rio de Janeiro, este ano, e por resultar no artigo «Gangland», publicado pela revista The New Yorker e ilustrado com algumas das imagens excepcionais deste fotógrafo.”
Jon Lee Anderson, 12 de Outubro de 2009
Assinam esta interessante reportagem para a New Yorker, do passado mês de Outubro, Jon Lee Anderson (texto) e João Pina (fotos).
Exposição patente de 5 de Novembro a 1 de Dezembro de 2009, na KGaleria, em Lisboa.
http://www.flip.org.br/upimages/Anderson%20Rio%20Gangster.pdf
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